Você deve lembrar das aulas de bioquímica e fisiologia do exercício e pensar como aplicar os conhecimentos na prescrição do treino. Já adianto que esse entendimento básico é primordial. Sem isso, não há como prescrever exercício com qualidade e entender a resposta aguda (curto prazo) e crônica (longo prazo). As respostas adaptativas dependem do somatório de estímulos e dos diferentes objetivos. Para isso vou explicar como funcionam os sistemas de produção de energia para a contração muscular durante o exercício e como usá-los na prescrição.
Há dois conceitos básicos que devemos compreender para a prescrição de exercícios: POTÊNCIA e CAPACIDADE dos sistemas energéticos
Potência é a taxa de liberação de energia a partir da via energética. Significa quanto tempo o sistema suporta produzindo energia na sua taxa máxima (unidade de tempo).
Capacidade é a quantidade total de energia liberada por esse sistema.
A) Sistema ATP-CP: Quando um exercício muito intenso (muita velocidade ou força) é iniciado todas as vias de produção energética são rapidamente ativadas. Entretanto, as taxas de produção de ATP pelas vias ANAERÓBIAS são muito mais rápidas do que as aeróbias. A FOSFOCREATINA (PCr) é o combustível mais requisitado porque somente uma reação é necessária. A enzima que catalisa essa reação, a CREATINA QUINASE é ativada rapidamente com o aumento do ADP celular. O aumento do ADP significa que muito ATP está sendo quebrado. (ATP → ADP + Pi)
B) Sistema Glicolítico, Glicólise e Glicogenólise Anaeróbia: Simultaneamente, o cálcio celular (Ca2+) e catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) ativam a enzima glicogênio fosforilase para quebrar moleculas de glicogênio em glicose e iniciar a quebra total da glicólise. As reações ocorrem para produzir 3 moléculas de ATP e lactato. Embora haja mais reações na glicólise que no sistema alático (ATP-PCr), a glicólise anaeróbia também é ativada em poucos milissegundos após o início do exercício intenso.
C) Sistema aeróbio: A produção aeróbia de ATP também é ativada no exercício intenso. Apesar de pouca energia ser provida por meio do sistema aeróbio nos segundos iniciais (5-10s) aproximadamente 50% da energia é fornecida pelo sistema aeróbio durante os 5s finais de um sprint máximo de 30 s, por exemplo. Em exercícios de média e longa duração, abaixo de 100% do VO2 máximo, a geração aeróbia de ATP predomina, pois há tempo de mobilizar gordura e carboidrato do músculo, fígado e tecido adiposo.
Se transferirmos para a prática, temos exemplos de como ativar e recrutar esses sistemas para causar os ajustes fisiológicos que estão de acordo com os nossos objetivos e necessidades para a prescrição do exercício.
Tabela 1 - Estimativa de tempo de esforço máximo para estímulos de potência e capacidade dos sistemas energéticos (Wells et al., 2009)
Valência | Tempo em que o sistema suporta o seu máximo. | Tempo de Recuperação do sistema |
Potência Anaeróbia Alática (ATP-PCr) | 5-10 s | 3 a 5 min |
Capacidade Anaeróbia Alática | 10 – 15s | 3 a 5 min |
Potência Anaeróbia Lática ou Glicolítica | 20-30 s | 1 – 2 horas |
Capacidade Anaeróbia Lática Ou Glicolítica | 30-90 s | 1 – 2 horas |
Potência Aeróbia | 180 s | 30-60 min |
Capacidade Aeróbia | ilimitado | 30-60 min |
Então vamos a alguns exemplos práticos de como ativar esses sistemas na prescrição do exercício:
Objetivo: Potência Anaeróbia Alática no Futebol
Tarefa | Séries x reps | Intervalo de recuperação | Objetivos |
Sprint máximo de corrida com mudança de direção (20 m + 20 m = 40 m | 3 x (8 x 40 m com 20s de recuperação entre as repetições) | 5 min de recuperação entre as séries (1 série seria cada bloco de 8 x 40 m) | Aumentar a potência e capacidade alática e potência lática do atleta. |
Descrição da atividade
Os 40 m realizados em velocidade máxima podem variar de 5 a 8s por exemplo. Então cada seria teria 8s de esforço e 20s de recuperação (razão esforço pausa de 1:2,5). Isso estimularia o sistema ATP-PCr ao máximo. Os 20s de intervalo entre as repetições são insuficientes para a recuperação completa do sistema, então nas repetições subsequentes haverá cada vez mais participação da glicólise anaeróbia e sistema aeróbio. O intervalo de 5 minutos entre as séries (bloco de 8 x 40 m) serve para recuperar a maior quantidade possível de PCr e o atleta conseguir realizar os sprints em velocidade máxima na próxima série.
A duração de cada série é de 204 s (3 min e 24 s), quando se soma esforço e pausa, o que caracteriza também grande ativação do sistema aeróbio. Se o esforço é máximo em cada repetição, o somatório destes eleva gradualmente a participação dos sistemas glicolítico e aeróbio na produção de energia, se mostrando uma boa estratégia para melhorar também a potência e capacidade lática e a potência aeróbia.
Sobre a especificidade
Repare que essa é uma situação hipotética que acontece no jogo de futebol, ou seja, sprints repetidos com mudança de direção, recuperação incompleta entre os sprints, momentos em que é possível recuperar mais (atendimento médico, intervalo entre os tempos e consulta ao árbitro de vídeo).
REFERÊNCIAS
Wells, G. D., Selvadurai, H., & Tein, I. (2009). Bioenergetic provision of energy for muscular activity. Paediatric Respiratory Reviews, 10(3), 83–90. https://doi.org/10.1016/j.prrv.2009.04.005
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